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Pele de barro

Flávia Vieira

Curadoria Miguel von hafe pérez

21 SET – 30 NOV 2025

Entrada gratuita

Flávia Vieira é uma artista plástica e investigadora que centra o seu processo artístico na criação de instalações, vídeos e esculturas. O pensamento sobre o trabalho manual e as práticas artísticas contem- porâneas foram o foco de atenção da sua tese de doutoramento, apresentada no Instituto de Artes da Unicamp no Brasil.

Tal centro de atenção transcorre igualmente para o seu trabalho, onde se problematizam dicotomias como o artístico e o artesanal, o erudito e o popular.

Produzindo em meios tradicionais como a cerâmica e o têxtil, Flávia Vieira encontra aí a oportunidade para criar uma discursividade que tanto pode problematizar questões sociais e políticas, como formalmente de- senvolver um projeto de recentramento atualizado de técnicas ancestrais.

Pele de Barro é uma obra que se desdobra em duas esculturas e uma intervenção na sala do CAV que foi pensada especificamente para o local.

Aqui, um muro coberto de barro serpenteia e define
a perceção espacial com particular agudeza. A luz filtrada, numa tonalidade violácea, transporta a obra para uma dimensão suspensiva onde a distância com o natural é evidente. Na apresentação da proposta a artista descreve-a assim: “Trata-se de um mural-corpo — uma parede-biombo que se apresenta como uma “pele” ou “manto”. Esta estrutura propõe-se como uma fronteira simbólica e viva, onde cada matéria convoca um território extraído e uma memória deslocada. Um espaço para imaginar futuros em que ainda somos barro ou terra, e onde se afirma uma relação íntima com a natureza, na qual somos matéria, somos terri- tório e participamos dos ciclos de transformação que moldam o mundo.”

O muro, com toda a sua carga simbólica, delimita, protege ou separa. Nada na contemporaneidade faria supor que os muros, que num passado recente onde as nacionalidades se pareceriam diluir no fluxo globali- zante e teriam assim tendência a desaparecer, viessem a ser pornograficamente reerguidos e reclamados.

A Pele de Barro convoca para si uma dimensão viven- cial que é em si um processo de consciencialização. O espetador percorre a peça, sente o modo como esta se apropria do espaço e, por seu turno, ela devolve- -lhe uma existência mutante, orgânica dir-se-ia.

Pequenas modificações ao longo da sua existência an- coram-na num espaço de receção fluído, num diálogo que pressupõe mais do que uma visita ocasional.
Se o diálogo aqui é estabelecido com a própria história

da arte, nomeadamente entre práticas próximas do minimalismo e da arte processual, reivindica, contudo, uma leitura mais profunda onde a discursividade pós- -colonial se reclama como complemento conceptual da maior importância.

Nas esculturas o barro interage com o aço: referência a tempos e geografias distantes, são pontes de certa forma periclitantes que na sua fragilidade mimetizam as fragilidades de um momento civilizacional pejado de angustiosas dúvidas.

Voltando às palavras da artista: “A ideia da pele opaca, que guarda mistérios e camadas invisíveis, é um conceito que pensei evocar na explicação desta proposta. Baseio-me na noção de “opacidade” de Édouard Glissant, que reivindica o direito à não-trans- parência, àquilo que resiste à lógica colonial de total legibilidade e apropriação. A opacidade é condição da relação verdadeira: só há encontro quando o outro pode permanecer, em parte, velado, encantado, intra- duzível.”

No universo da digitalização absoluta, onde a falta de sentido crítico perante as imagens nos faz resvalar para a mais indizível banalidade, é com urgência
que um outro tempo (outra velocidade) no fazer e

no apreender se deve erigir como alternativa viável
à anestesia generalizada dos “consumidores” (sim, porque cada vez somos menos cidadãos para sermos apenas o resultado de especulação algorítmica). Flávia Vieira construiu esta Pele de Barro com diligen- te delonga, onde a manualidade se expressa como atitude mimética de uma ancestralidade em risco de extinção (e incompreensão). Os seus gestos artísticos constituem avisada pontuação material e telúrica na grave incandescência do presente.

Miguel von Hafe Pérez

Inauguração 20 de Setembro, sábado,  às 22h.

Patente até 30 de Novembro.

Entrada Gratuita

Imagem: Pele de barro, 2025

Pele de barro, 2025