Fonte Sonora

António Palolo exposição ciclo a vida, apesar dela.

Curadoria de Miguel von Hafe Pérez

29 JUN – 15 SET 2024

Entrada Gratuita

Na instalação do CAV, a artista sublinha esta capacidade de impermeabilidade térmica e ar-
mazenamento mediante a utilização de sons produzidos quer pela água, como por sementes a

revolverem nos seus recipientes.

Não deixa de ser curioso que as cabaças recolhidas pela artista sejam primordialmente exem-
plares com “defeitos” peculiares: a deformação da natureza será definidora da função a que o

homem destina certos utensílios para os seus propósitos? Servindo, por vezes, de instrumentos
musicais, será que a perfeição da forma é indispensável à sonoridade almejada?

Não é disso que aqui se trata. Como foi referido, este serpentear no espaço de cabaças mani-
puladas é acima de tudo a afirmação de um latejar em potência: a natureza a desafiar o espaço

institucional, num artifício concetual de evidente espessura significativa.

O som da água, predominante, faz-me lembrar palavras da crítica de arte espanhola Bea Es-
pejo na entrevista que fez à artista (https://dalilagoncalves.com/levantarfervura/): “[Dalila Gonçal-
ves] Comporta-se como a água: transparente, não poderia parar mesmo que quisesse, tentando

identificar tudo, como se a corrente a levasse a um lugar aberto, cheio de realidades paralelas e
conexões invisíveis.”
As características acústicas das cabaças, aqui enquanto ready-mades expandidos, são des-
-naturalizadas nesta instalação. Não se trata, então, de uma busca de qualquer empatia com a
especificidade do material e da sua história. Trata-se, isso sim, de mostrar no forro das coisas a
sua densidade alegórica.
Como refere a artista na entrevista anteriormente citada: “Eu diria que me interessa aquele
lugar intermédio, aquele jogo do que é e o que não é, entre o real e a imaginação, essa urgência
de fazer ligações precisas e improváveis, diria que tudo isto define o meu trabalho como artista. E
dedicar a minha vida a isto é, sem dúvida, um privilégio e, certamente, uma postura política. […]
Posso dizer que quase todas as minhas obras são um processo de dissecação, de descoberta de
objetos e materiais em todas as suas camadas até serem vistos por dentro. Falo de uma forma de
imersão, de investigação da sua plasticidade, às vezes da sua história, às vezes da sua função, às
vezes de tudo ao mesmo tempo. Fascina-me descobrir tudo o que dá forma aos objetos e aos seus
materiais e mostrar o que os distingue.”
Arte como direito à expressão da dúvida, do método, da investigação, do erro e da superação.
E sim, arte política. Porque de branqueamentos ideológicos está este mundo farto. Tudo passa na
planura digital. A instalação de Dalila Gonçalves é uma medição primordial com o nosso corpo.
Com os nossos sentidos. Com aquilo que nos define.

Miguel von Hafe Pérez

Dalila Gonçalves