Botanical – Colecção Encontros de Fotografia
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Entrada Gratuita
Quando o ciclo de programação do CAV a vida, apesar dela foi desenhado, imediatamente se considerou a necessidade de continuar a dar visibilidade à Coleção dos Encontros de Fotografia mediante exposições temáticas que pusessem em evidência as potencialidades de um acervo único em Portugal.
A primeira exposição intitulada “auto & retrato” ancorava-se na figura humana enquanto porta- dora de uma miríade de inscrições qualitativas e decisivas na banalidade de uma era assente na possibilidade ad nauseam do retrato baseado nas tecnologias móveis.
“Botanical” corresponde, então, a um segundo momento onde se parte da Coleção dos Encon- tros da Fotografia para refletir sobre uma memória própria e, essencialmente, sobre a virtude que estes eventos tiveram na criação de uma memória divergente sobre a paisagem humana, social e geográfica de um Portugal (e outros territórios) por vezes já eclipsada.
Não se trata aqui de um olhar exclusivamente direcionado para elementos botânicos nas repre- sentações escolhidas: a evidência simbólica de uma folha, uma planta ou uma árvore é comple- mentada com representações distópicas da paisagem, com fragmentos urbanos onde a natureza (ou a falta dela) representa uma discursividade visual própria sobre a solidão, o desenraizamento ou a adaptação forçada às circunstâncias de tempos e lugares diferenciados.
Não deixa de ser extraordinário como a imagem fotográfica viria a moldar no decurso do século XIX, e particularmente nas primeiras décadas do século XX, uma apreensão do mundo comple- tamente distinta, em aspetos que para nós são hoje absolutamente triviais: a captação da veloci- dade, a visão noturna, as possibilidades de trânsito entre o macro e o micro, a visão do raio-X, as visões aéreas, etc..
A amplitude de escolhas possíveis na resolução com que se assume uma encomenda, de que emanam muitas das imagens agora apresentadas, é tão abrangente quanto as práticas individuais que determinam o posicionamento idiossincrático de cada um dos fotógrafos/artistas.
Coimbra, o interior ou o litoral de Portugal, Goa, Cabo Verde e muitos outros lugares são palco de indagações estéticas onde se sobrepõem ajustes temáticos a práticas consolidadas.
Sublinhe-se que a paisagem-sublime, ou o deslumbre por entornos naturais apelativos são muito raros no contexto desta coleção. Evidencia-se, isso sim, uma perspetiva em muitos casos determinada por uma crítica da imagem onde se relacionam questões eminentemente conceptuais com gestos formais autorais.
No limite trata-se do mesmo tipo de operação que se poderia descrever assim: poderíamos pensar uma exposição com dezenas de obras monocromáticas negras e, nela, perceber que as intenções e as formalizações apesar da proximidade formal erigem espaços de reflexão percetiva tão distantes quanto uma exceção figurativa que aí se imiscuísse.
Aqui uma árvore é uma árvore representada; por vezes esquecemos esse detalhe tão básico. E essa representação é fruto de um olhar instruído, intencional e materializado numa especificidade única. É também resultado de uma escolha, de um apontamento temporal cuidadosamente pre- parado ou casuisticamente captado: esse é o fascínio da imagem fotográfica.
“Botanical” apresenta uma seleção de trabalhos onde também está presente a pintura, o de- senho e a imagem em movimento. A presença de dois autores convidados (José Campos e Pedro Vaz) foi também uma oportunidade para a sua integração na Coleção, o que agradecemos pela generosidade demonstrada.
Miguel von Hafe Pérez
©António Leitão Marques